No dia 21 de outubro, o compositor Almeida Prado realizou um workshop na unidade Luz da Tom Jobim – Escola de Música do Estado de São Paulo. O workshop abrangeu desde uma introdução na qual o compositor falou de sua formação musical no Brasil Camargo Guarnieri e Osvaldo Lacerda e, na França, Olivier Messiaen e Nadia Boulanger, até assuntos como sua relação com a poetisa Hilda Hilst e composições como Três Cantos de Hilda Hilst, feita base em seus escritos. Em entrevista ao site da Tom Jobim – EMESP, o compositor falou sobre o ensino musical no Brasil, o intercâmbio musical entre a França e o Brasil e sobre o seu momento de maturidade e liberdade criativa.
Este é o ano da França no Brasil. O senhor participou desse evento?
No meu caso, o ano da França no Brasil foi marcado pela criação de uma nova obra, chamada Étude sur Paris, que fiz para o filme mudo de mesmo nome do autor André Sauvege. Durante quatro dias de agosto na Sala São Paulo, a Osesp – Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo executou a trilha, com regência de Claudio Cruz, enquanto o filme era exibido em um telão. Fiquei muito contente com o resultado desse evento nitidamente franco-brasileiro.
Para o senhor, que estudou com Olivier Messiaen e Nadia Boulanger, como é o intercâmbio entre esses dois países?
Ele começou com a amizade entre Villa-Lobos e Darius Milhaud, quando este foi secretário de cultura da embaixada da França no Rio de Janeiro, na década de 1910. Darius Milhaud inaugurou aqui a linguagem bi-tonal, compondo ao lado de músicos brasileiros como Chiquinha Gonzaga, o que influenciou Villa-Lobos e assim como este influenciou Milhaud, realizando um intercâmbio genuíno. Depois da estadia de Villa-Lobos em Paris nos anos de 1920, muitos compositores daqui moraram naquela cidade, como Camargo Guarnieri na década de 1930 e eu, que estive por lá nos anos de 1960. Houve sempre um compositor brasileiro em Paris estudando e mostrando seu trabalho. Assim como professores franceses vinham ao Brasil, como foi o caso de Michel Philippot , que casou-se com a pianista brasileira Anna Stella Schic e que deu aulas de composição na Universidade Estadual Paulista – Unesp. Hoje temos um maestro francês como regente titular da Osesp, Yan Tortelier, o que reaviva esse intercâmbio.
Após estudar piano em Santos e em São Paulo, com Dinorah de Carvalho, e de um período em que compunha intuitivamente, o senhor teve como professor o maestro Camargo Guarnieri. Ele ajudou a formar e lapidar o seu estilo?
Os estudos de piano com Dinorah de Carvalho foram importantíssimos. Com Camargo Guarnieri estudei composição, harmonia, análise, o que foi básico para a minha formação. Por ele, e por Osvaldo Lacerda, com quem estudei harmonia tradicional e contraponto, tenho uma grande estima e gratidão. Nunca desprezei essa base nacionalista porque a considero uma base de raiz, e nós temos que ter um pé no quintal de casa e outro pé no mundo. Esse é o segredo: você ser um homem de quintal, no sentido de estar ligado ao cotidiano mais simples, e ao mesmo tempo ter uma visão planetária. O ruim é quando você esquece o quintal e se perde no universal, ou ao contrário, quando você fica só no seu quintal e se esquece que existem outros. Essa dualidade, que é muito benéfica, está presente em minha obra.
Pouco tempo depois de estudar com Guarnieri, o senhor passou a frenquentar a casa de Gilberto Mendes em Santos. Ele lhe influenciou diretamente?
Ele me influenciou porque é um homem muito inteligente, um compositor absolutamente original e genial. Ele me deu subsídios da música contemporânea daquela época, que era Boulez, Stockhausen, Luigi Nono, Berio. As partituras que me emprestava e as explicações que me dava foram aulas informais que tive com ele. Cito isso sempre porque ele foi um guru na minha formação, em uma fase em que me distanciei do nacionalismo de Guarnieri para chegar ao universalismo na França. Foi uma transição muito saudável que ele me ajudou a fazer e esse é um dos motivos de minha gratidão e admiração por Gilberto Mendes, que é um grande amigo meu.
O Festival Música Nova ocorreu recentemente nas cidades de São Paulo e de Santos. O senhor considera que a música contemporânea esteja em evidência nesse momento?
Para mim existe a música. Não vou falar em termos de música contemporânea porque qualquer coisa pode ser contemporânea. O que não vemos mais hoje é a surpresa dos primeiros festivais de música contemporânea. Atualmente temos obras tão diversas umas das outras, que festivais como o Música Nova, são festivais de música, de música atual. Como em todos os campos, existem obras muito boas e outra nem tão boas. Antigamente também tínhamos obras não muito boas, mas quando todos compunham querendo fazer escândalo, ficava difícil de separar o que era autenticamente bom do que era “para inglês ver”. Agora não acontece isso, porque as composições são mais autênticas, evidenciando aquilo que é realmente de qualidade. O espírito do Festival Música Nova atual é mostrar e não mais chocar.
O senhor venceu o 1° Prêmio da Guanabara em 1969. Com o valor recebido pôde ir para Paris estudar com Olivier Messiaen e Nadia Boulanger. O senhor considera importantes essas premiações e que os jovens compositores estudem no exterior?
Na época em que fui estudar no exterior eu tinha Camargo Guarnieri e Osvaldo Lacerda como mestres aqui no Brasil. Koellreutter, que era outro grande mestre não estava mais no País. Eu me vi sem possibilidades de continuar os meus estudos no Brasil e decidi ir para Paris. Acho que atualmente, mesmo com a Unicamp, com a UNESP, com a Academia da Osesp e com a EMESP, é sempre interessante o compositor ter outras experiências fora de seu país. Se não, ele fica muito restrito ao seu próprio quintal, como falei anteriormente. Boas opções são os Estados Unidos, no campo da música eletroacústica, e Alemanha e França, em termos de música contemporânea.
Os festivais de composição e os concursos são sempre importantes porque o compositor recebe com isso diversos incentivos, como criar uma nova obra, ver a sua peça executada e ter a experiência de confrontar a sua obra com a de outros autores da sua mesma geração. Os concursos são importantes tanto para os instrumentistas como para os compositores tanto pelo aspecto financeiro como pedagógico e artístico.
Gostaria que o senhor falasse sobre a sua relação com a poetisa Hilda Hilst.
Hilda Hilst era minha prima. Ela chamava-se Hilda Almeida Prado Hilst. Talvez uma das poetisas mais importantes do Brasil, juntamente com Cecília Meireles, e os poetas Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Ela tinha consciência dessa importância, mas falava pouco sobre isso. A vida dela foi muito passional e intensa, e ela deixou uma obra genial, mas não foi compreendida enquanto estava viva. Hilda vendia poucas obras, era pouco lida e muito analisada. Sempre que pude musiquei textos dela, que eu adoro, sendo que uma dessas músicas me deu o 1° Prêmio da Guanabara, Pequenos Funerais Cantantes. Venci também um concurso em Barcelona com uma cantata para soprano e cordas feita com base em textos dela, além de ter feito em 2002 a obra Três Cantos de Hilda Hilst.
Como é a sua relação com a poesia?
Todo compositor é um poeta, senão não pode compor.
Desde a época em que foi diretor do Conservatório de Cubatão e posteriormente na Unicamp, o senhor desenvolveu intensa atividade pedagógica. Como avalia o ensino musical no Brasil?
Considero que ele tem evoluído muito, desde a escola de Camargo Guarnieri, até as grande universidades, como Unicamp, USP e UNESP. Mas isso é um processo em andamento, que nunca vai acabar, está sempre em evolução. Mas o que o aluno jovem tem em mãos hoje, eu não tinha quando era jovem: opções. Atualmente, eles têm, além das técnicas tradicionais de ensino, o computador, a internet, o ipod, a eletroacústica, que são até recursos demais, o que chega a atrapalhar. Comparado aos dias de hoje, na minha época de estudante o ensino era muito artesanal.
Li em uma entrevista que o senhor, na época, não se interessou pela música eletroacústica porque o processo era lento, e demandava que se colasse uma fita na outra…
Eu também não me interesso atualmente. Considero que seja um recurso muito rico, necessário para as pessoas que o apreciam, sendo uma opção a mais, mas que, para mim, é muito artificial. Gosto daquilo que o ser humano faz na hora. Não que o computador não seja de alguma forma humano, porque ele é manipulado por alguém, mas nunca será tão direto como o som acústico, que é mais vivo. Eu penso assim, e o Olivier Messiaen também pensava assim. A Nadia Boulanger achava que se você tem algo a dizer, qualquer meio pode ser válido. Ela era mais moderna que o Messiaen nesse sentido. O que você tem a dizer pode ser tonal, atonal, pós-moderno, ou então você não tem nada a dizer. Nessa situação, o eletrônico não vai lhe ajudar.
Após trabalhar com diversas formas de composição, o senhor acredita ter atingido um ponto de intensa liberdade criativa?
Atualmente posso dizer que faço aquilo que tenho vontade de fazer. Sinto-me absolutamente acima de qualquer corrente estética, livre de certo e errado. No momento da criação sou dono absoluto do meu gesto, algo que antigamente eu não conseguia ser. Isso é maturidade.
A maturidade é importante para o compositor? A identidade pode ser construída ou é algo que já nasce com a pessoa?
Você nasce com o dom, com o potencial, com a semente. Depende das circunstâncias da vida que você venha a trabalhar isso ou não. Você pode morrer com o dom virgem. Agora, sem o dom, você não é nada. Sinto que alguns compositores nunca chegarão a ser compositores, serão fazedores. Respeito essas pessoas, não estou aqui fazendo uma crítica. Mas a situação deles na história da música será a de pedreiros sonoros, e não a do arquiteto da obra. A pessoa não tem culpa de ser ou não ser, e cabe ao compositor saber para onde se direcionar, para não enganar a si mesmo.
O senhor poderia deixar um conselho aos jovens músicos e compositores?
O meu conselho é o seguinte: estude com seriedade e com aquilo que tem em mãos. Aproveite os mestres que a vida lhe oferece, sejam quais forem. Sempre tenha algo a aprender e se empenhe em realmente assumir aquilo que deseja e não ficar parado em um mesmo ponto, porque isso não leva a nada e gera apenas um vazio. Mas se ele se empenha até o fim, ele irá se realizar.
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