François Sauzeau é o primeiro clarinetista solista da Orquestra de Lyon, da qual é integrante desde 1984. Filho de músicos, o clarinete foi um caminho natural, já que seu avô e seu pai tocavam esse mesmo instrumento. Em sua família, a esposa é violoncelista e professora, uma de suas filhas estudou piano por sete anos e a outra é violinista, casada com um clarinetista. Após a master class na Tom Jobim – EMESP, realizada em 13 de outubro, François Sauzeau falou sobre a função do professor, o intercâmbio cultural e da similaridade entre os músicos de todos os países. Confira a entrevista!
François, como foi a master class na Tom Jobim – EMESP?
Foi muito boa, com jovens músicos que amam a música e o clarinete. Eles se mostraram muito interessados e dispostos. O nível também foi alto, de uma forma geral, com muitas possibilidades de desenvolvimento para os alunos. Penso que existe uma escola autêntica no Brasil no que concerne ao clarinete, que não é uma imitação da escola francesa, e sim uma escola própria, que utiliza elementos do folclore e que faz uma mescla de culturas, criando uma identidade própria. Pude aprender muito hoje nessa master class.
A diversidade é importante para a música e o ensino musical?
Considero que quanto mais diversidade melhor. Imagine como seria se todos se parecessem? A vida seria difícil. Não estou dizendo que seja fácil, pois, quando há bastante diversidade, é preciso que haja pontos de ligação para que as pessoas se entendam. Mas, no meu ponto de vista, é da confrontação das diversidades que nasce a novidade.
Ensinar para você é um aprendizado?
Eu aprendo sempre com os alunos e eles comigo. É por isso que é interessante dar aulas, porque há sempre um momento, um modo de tocar, uma personalidade diferente que nos surpreende. A minha contribuição é tentar ajudar esses alunos a serem verdadeiramente eles mesmos, de retirá-los de seus casulos, de seus cascos, para que eles possam descobrir a si mesmos e se desenvolverem plenamente.
Essa seria a principal função do professor?
Creio que a função do professor é a de orientar os músicos a um caminho nítido do ponto de vista artístico.
A master class complementa o que é ensinado em sala de aula?
O trabalho do professor em uma master class é, para mim, mais fácil do que aquele do professor regular, que está com o aluno todas as semanas, que pratica, que repete, o que é cansativo. Nós retiramos um instantâneo, uma foto do aluno, e percebemos aspectos que o professor talvez não perceba, ou que não ouse dizer. Eu faço esse retrato do aluno e o coloco de frente a um espelho, no qual ele poderá enxergar os seus defeitos e virtudes. Essa é a vantagem da master class: poder falar diretamente, sem rodeios. Isso faz o estudante refletir. Para mim, esse é o papel da master class: levar o aluno a se questionar.
Na sua opinião, existe algo em comum que os alunos com os quais você teve contato na EMESP devam desenvolver?
Por definição o estudante é alguém que passa por uma etapa de desenvolvimento. Dessa forma, existe sempre algo que falta a um aluno, e o professor deve procurar descobrir quais são essas carências e guiá-lo o mais longe possível em seu caminho. Mesmo a nós profissionais, sempre falta alguma coisa, um ponto a ser desenvolvido, algo a aprender.
Você percebe diferenças entre os músicos brasileiros e de outros países?
A partir do momento em que nos exprimimos com um instrumento através da música, todos nos parecemos. A prova é que quando interpretamos obras com noruegueses, americanos, italianos, brasileiros, não nos falamos por palavras, conversamos por meio da música. Então, não há diferença. É como quando dizemos: a música brasileira, a música italiana, a música alemã, a música inglesa. Isso quer dizer o que? Nada. É apenas a música. Ela pode ser boa ou não, mas é sempre música.
Esse é o ano da França no Brasil. Qual a importância desse intercâmbio?
Como todas as trocas culturais entre dois países, o ano da França no Brasil é muito importante. Os intercâmbios culturais tornam o mundo melhor e faz as pessoas se entenderem melhor. Mesmo se por trás de iniciativas como essa haja interesses comerciais e políticos, as trocas permitem o desenvolvimento da cultura como expressão da alma dos homens e dos povos, a partir do momento em que gera uma comunicação interpessoal. É nesse sentido que esse intercâmbio é fundamental. Eu, particularmente, estou muito feliz de estar no Brasil. Posso ver as pessoas, conhecer os estudantes, e é assim que aprendo e que vejo que tudo é possível na vida. Não devemos nos limitar, nos impor barreiras.
É a sua primeira vez no Brasil?
É a primeira vez que venho à América do Sul. Para mim é uma grande descoberta, como da primeira vez que fui ao Japão ou aos Estados Unidos. São essas experiências que fazem a minha vida.
Como foi o contato com a Banda Sinfônica do Estado e com o maestro Abel Rocha?
Foi muito bom, todos foram muito simpáticos. Comecei tocando em uma Banda Sinfônica, ao lado de meu pai e de meu professor. Tocar com uma banda, para mim, é mais do que simbólico, é algo que me coloca novamente em contato com uma tradição, com uma transmissão que as pessoas que vieram antes de mim me deixaram de legado. Novamente voltamos a falar do papel do professor, porque é justamente aquilo que aprendemos dos mais velhos ou das gerações passadas que transmitimos aos mais jovens, aos estudantes.
É importante possuir essa tradição?
O que é importante é transmitir o conhecimento. Não gosto da palavra tradição. Para mim, ela rima com traição. De tradição em tradição nós escondemos a verdade. Cada um possui a sua tradição. No entanto, a transmissão de um conhecimento, juntamente com o aporte individual sobre esse saber, é a verdadeira “tradição”.
Para os alunos é importante conhecer o repertório de todas as épocas?
Sim, assim como para os estudantes é importante saber tocar mais de um instrumento.
Você poderia deixar um conselho para os jovens músicos que desejam desenvolver as suas carreiras?
O conselho que posso dar aos jovens músicos é o de amar o que fazem e aquilo que eles são. Se não temos o desejo de nos comunicar com o coração no campo da arte, então o que fazemos não tem vida, é seco. Portanto, a grande palavra é: amor. Eu disse a um dos alunos que participaram da master class, que estava muito nervoso: – Por que você está aqui? Por que você toca clarinete? Ele me disse: – Porque amo fazer isso. Eu lhe respondi: – Se você ama o que faz, por que tem medo? Não é preciso ter medo. Se você tem algo a dizer, diga. Ninguém irá lhe fazer mal. Não há maldade em se fazer música, e sim, uma grande alegria.
Este site utiliza cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nossos serviços. Ao utilizar nossos serviços, você concorda com tal monitoramento. Consulte a Política de Privacidade para obter mais informações.